segunda-feira, 20 de abril de 2015

Mary e Max - uma amizade diferente



“Deus nos dá familiares... graças a deus que podemos escolher nossos amigos.”

Eu estou prestes a escrever aqui sobre uma das melhores animações que já tive a oportunidade de assistir, poucos filmes conseguem retratar a amizade de forma tão simples e encantadora. É tudo tão irônico, tão lindo, tão sensível, tão triste e, infelizmente, tão realista..... há tantas coisas que merecem ser ditas sobre esse filme que não sei bem nem por onde começar..., e tenho certeza que com um só post não vou conseguir dizer tudo....




Já dizia o poeta “diga o que disserem, o mal do século é a solidão”, e essa é a semente que faz surgir uma das mais belas histórias sobre humor, solidão e amizades. Doce feito um chocolate, Mary and Max, cativa do começo ao fim, ao contar a estória dos dois personagens que dão título ao filme: Mary, uma garotinha solitária de 8 anos que adora marrom e mora numa Austrália de cor sépia. E a de Max, um homem de 44 anos, sem amigos, cheio de transtornos, membro dos obesos anônimos e morador de uma Nova York acizentada. Nenhum dos dois se encaixa muito bem no ambiente em que vivem e o mundo lhes parece intrigante e incompreensível. Dois mundos de cores tão diferentes se esbarram quando Mary, curiosa para saber se os bebês vem de latas de coca-cola nos EUA, decide enviar uma carta perguntando a uma pessoa aleatória que encontrou na lista de endereços, esse desconhecido em questão era o Max. Essa correspondência inocente acaba por mudar a vida de ambos para sempre, iniciando uma estória que transcorre por mais de décadas.

Apesar de Max sempre ter um ataque de pânico a cada carta recebida, os dois passam a ser corresponder, compartilhando idéias, frustrações, histórias banais, chocolates (sim, chocolates, de todos os tipos e sabores =~~), e constroem uma grande amizade, que sobrevive aos altos e baixos da vida. Através dessa troca de pensamentos, discussões filosóficas tão complicadas são abordadas de formas super sutis. Mary e Max é uma verdadeira aula de psicologia, explora o autismo, o alcoolismo, as curiosidades infantis, a obesidade, a cleptomania, a diferença sexual, a confiança, diferenças religiosas (o Max apesar de sua criação judaica é ateu), suicídio, desemprego e muito mais.... As cartas também refletem a caótica estrutura racional de ambos, sempre com um monotonia instigante. Idéias brilhantes ("se ao menos houvesse uma equação matemática para o amor") surgem e são abandonadas em função de outra melhor, mais inocente ou simplesmente irrelevante.

SPOILER ALERT a partir daqui!!!!

Ao longo dos anos, enquanto Mary vai crescendo verticalmente e Max dos lados, eles seguem trocando correspondências. A menina apesar de todas as dificuldades e repressão encontradas durante a infância, encontra o seu lugar no mundo. Namora e casa com o garoto por quem é apaixonada, tem um filho e também se forma em medicina. O futuro, no entanto, não é tão promissor para Max. Ele fica cada vez mais isolado e tem sérias variações de humor - o que, às vezes, é prejudicial à correspondência -, sintomas que ele detecta mais tarde serem parte de uma síndrome de Asperge (o famoso autismo).

FIM DO SPOILER

O filme critica a sociedade-do-pouco-contato em que vivemos, mostrando os vícios e as fobias dos personagens, não só dos protagonistas como também dos coadjuvantes, como a mãe e o vizinho de Mary; a vizinha e os cidadãos que Max observa. O mais interessante é como o filme abre parênteses a todo instante para definir características, emoções e lembranças dos personagens.

Em alguns momentos me lembrou um pouco Up, mas diferentemente deste que apesar do tema possui um tom mais infantil com cachorrinhos falantes e tudo o mais, Mary and Max definitivamente não é voltado para o público mirim, isso é percebido pela estética dos personagens - que não se preocupam em serem bonitos e fofinhos- e do cenário. Sem contar no andamento que a história toma ao abordar assuntos tão corriqueiros e generalistas para todos que vivem em uma sociedade moderna. Acho difícil uma criança compreender o quão grande é o poder da amizade..... Não é um tipo de filme que a Disney faria (vide o recente Alice =x). Pretendo fazer um post futuro “up x mary and max”, por isso que não vou me aprofundar nas comparações aqui XD.

O filme é escrito e dirigido por Adam Elliot, que ganhou o Oscar de Melhor Curta de animação por Harvie Krumpet, em 2004. Mary e Max é o primeiro longa do roteirista e diretor. O mais legal é que a trama é baseada em fatos reais. Elliot usou sua própria experiência e de um amigo com o qual se correspondeu por muitos anos.

Achei o roteiro extremamente denso e bem trabalhado, ele prende o espectador ao exibir os rumos inesperados, que não são poucos, que a história toma. A fotografia, como já falei aqui, usa bem o contraste de cores, é como a mistura de sentimentos do filme. A trilha sonora toda instrumental é linda, linda, linda e super contribui com o clima tragicômico.

A técnica utilizada foi a do stop-motion o que esbanja um certo charme ao filme (sim, sou babona dessa forma de se fazer animação XD ) e finalizada com a ajuda da computação gráfica. A animação tem como principal fonte de humor a complementação imagem-narração, quem me conhece sabe o quão babona também sou por filmes com narradores. Os diálogos são raríssimos — o primeiro surge apenas aos 27 minutos de projeção . A graça advém da irônica controvérsia entre o que é mostrado e o que é falado.

Enfim, encerrando, porque já ta grande pra caralho esse texto e duvido muito que alguém tenha paciência pra ler. Mary and Max é uma bela lição sobre respeito, carinho e amizade, seja ela imperfeita como for. É um filme que você não pode morrer sem ver, e que com certeza entrou pra meu top 10 de melhores animações filmes.

Só pra finalizar, redigi aqui a última carta escrita pelo Max: (SPOILER - se não quiser estragar a surpresa não leia, é bem simples)

“A razão por eu te perdoa é porque você não é perfeita, e nem eu. Todos os humanos são imperfeitos, até mesmo o homem do lado de fora do meu apartamento que joga lixo no chão. Quando eu era jovem, eu queria ser qualquer pessoa, menos eu. O dr. Bernard Hazelhol disse que se eu estivesse numa ilha deserta então eu teria que me acostumar com minha própria companhia, ao eu e os cocos. Ele disse que eu teria que aceitar a mim mesmo, meus defeitos e tudo mais, e que nós não escolhemos nossos defeitos. Eles são parte de nós, e nós temos que viver com eles. Nós podemos, entretanto, escolher nossos amigos e eu fico feliz por ter escolhido você. O dr. Hazelhol também diz que a vida de todo mundo é como uma longa calçada. Algumas são bem pavimentadas, outras, como a minha, tem tendas, cascas de banana e bitucas de cigarro. Sua calçada é como a minha, mas provavelmente sem tantas fendas. Com um esperança um dia nossas calçadas vão se encontrar e nós poderemos dividir uma lata de leite condensado . Você é minha melhor amiga, você é minha única amiga.”

Nota: 10

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